sábado, 22 de agosto de 2009

Direitos individuais homogêneos são espécies de direitos coletivos em sentido amplo

Caros alunos,

O discente Albertino Pierre, nos comentários à postagem anterior, encaminhou importante questão, que, por sua relevância, mereceu ser publicada aqui, neste espaço das postagens principais. Segue a questão do referido aluno e, em seguida, a resposta a ela. Os grifos são meus.

Professor,

O Senhor falou que o STF firmou entendimento no sentido de que a expressão "coletivos", contida no final do inciso III do art. 129 da CR/88, refere-se ao gênero do qual são espécies os direitos: difusos, coletivos stricto sensu e individuais coletivos, certo? Fiz uma pesquisa e não localizei algo direto, mas apenas referências que levam a tal entendimento (RE nº 213015). Seria essa a decisão ou o Senhor conhece outra?
Albertino Pierre
Segue a resposta:

Caro Albertino e demais alunos,

Toda vez que o judiciário dá legitimidade ao MP para ajuizamento de ações coletivas (em sentido amplo) que tem por objeto a defesa de interesses individuais homogêneos é porque aquele Poder entende, mesmo que às vezes implicitamente, que o art. 129, III, da CR, abrange em seu rol os referidos interesses.

Felizmente, muitas vezes o entendimento de que direitos individuais homogêneos (pelo menos, os socialmente relevantes) estão inseridos nos direitos coletivos em sentido amplo está expressamente exposto nas decisões do STF. Coleciono logo abaixo algumas delas (para lê-las por completo, é só clicar sobre os respectivos links), mas gostaria de dar especial destaque à primeira que segue, da lavra do eminente Min. Maurício Corrêa, notadamente pelo seu teor pedagógico, que me parece inafastável. Vejamos.

“A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa a ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação". (RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 26-2-97, DJ de 29-6-01)
Seguem outras decisões no mesmo sentido:

“A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa". (RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 9-12-99, DJ de 30-5-03)

"O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas". (RE 472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-08, DJE de 29-8-08)

"Tutela de diretos ou interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência ao perfil institucional do MP. Inteligência dos arts. 127 e 129, incs. III e IX, da CF. Precedentes. O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação". (RE 470.135-AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 22-5-07, DJ de 29-6-07).
Espero ter ajudado em sua pesquisa, amigo, assim como nas dos demais alunos.

Att.,
Lycurgo

2 comentários:

  1. Albertino Pierre
    200505453

    Ótimo, professor... Muito obrigado!
    Foram, realmente, algumas dessas decisões que havia visto na pesquisa, porém queria ter a certeza de que estava no caminho certo, porque também localizei citação de artigo de IVES GANDRA, no sentido de que não era legítima a propositura, pelo Ministério Público, de Ação Civil Pública para tutelar direito individual homogênio, mas sim de Ação Civil Coletiva. Qual a diferença e a implicação dessa colocação no tema em discussão?

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  2. Olá Albertino,

    A concepção de que a ACP é servível para proteção dos direitos difusos e coletivos e a Ação Coletiva, por sua vez, se presta à proteção dos individuais homogêneos é, sob o prisma da análise estritamente legal, correta. Veja-se o art. 91 da Lei 8.078/90 ou mesmo o art. 6º, XII, da LC75/03 em comparação com o que disciplina a Lei 7.347/85. No entanto, há uma corrente, à qual me filio, que defende que a distinção entre ACP e Ação Coletiva é decorrente de um preciosismo desnecessário e, nesses termos, deve ser abandonada. Abordaremos tudo isso com detalhes, mas, por agora, expresso minha alegria em saber que vocês já se estão adiantando no estudo.

    Att.,
    Lycurgo

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