sábado, 12 de setembro de 2009

Competências nas ações coletivas

Caros,

Segue logo abaixo e em azul um interessante texto de autoria da Dr.ª Maria Fátima V. Ramalho Leyser sobre Competências em Ações Coletivas. Vale a pena lê-lo porque é bem resumido e fará um importante introdução para a próxima aula. Se preferir lê-lo no site de onde copiei, clique aqui.
Segue o texto:

Competências nas ações coletivas
1. Jurisdição e competência
Os conceitos de jurisdição e competência não se confundem, embora, às vezes, encontrem-se em uma “zona cinzenta”.
Tecnicamente, a distinção é clara. No dizer de DINAMARCO, GRINOVER e CINTRA, “a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o completo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete”.
Através da jurisdição, o Estado concretiza uma de suas finalidades, na medida em que se proíbe a autotutela dos interesses individuais.
A jurisdição é informada por alguns princípios fundamentais, ou seja, a investidura, a aderência do território, a indelegabilidade, a inevitabilidade, a inafastabilidade, o juiz natural e a inércia .
A competência, por sua vez, “é a atribuição a um dado órgão do Poder Judiciário daquilo que lhe está afeto em decorrência de sua atividade jurisdicional específica dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a legitimidade simultânea de qualquer outro órgão com o mesmo poder” .
Em verdade, a competência é apenas a medida da jurisdição. Isto significa que se todos os juízes têm jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com competência para conhecer e julgar determinada lide.

1.1 - Distribuição da competência
A competência encontra-se definida na Constituição Federal, nas leis processual civil e de organização judiciária.
Na Constituição Federal está estabelecida a estrutura do Poder Judiciário, com as atribuições do Supremo Tribunal Federal (art. 102), do Superior Tribunal de Justiça (art. 105) e da Justiça Federal (arts. 108 e 109), bem como das Justiças Especiais (Eleitoral, Militar e Trabalhista; arts. 114, 121 e 124).
Dessa forma, a distribuição da competência, obedecidos os limites da Carta magna, é matéria de legislação ordinária: da União, quanto à Justiça Federal e às Justiças Especiais; e dos Estados, no que concerne às justiças locais.

1.2 - Critérios determinantes da competência
A partir das doutrinas de Wach e Chiovenda, a competência leva em conta os seguintes critérios: objetivo , funcional e territorial .
O Código de Processo Civil adota o seguinte sistema de definição da competência interna: competência em razão da valor da causa e da matéria (art. 91); competência funcional (art. 93) e competência territorial (arts. 94 a 101).

1.3 - Competência da Justiça Federal

A Constituição Federal determina a competência da Justiça Federal sobre os critérios objetivos: a) em razão da matéria (ratione materiae) e b) em razão da pessoa (ratione personae) .
O Estado não tem um foro comum ou geral, mas, sim especial, levando em conta ora a qualidade das pessoas, ora a qualidade da causa.

1.4 - Competência absoluta e relativa
A competência é absoluta “quando não pode ser modificada pelas partes ou por fatos processuais como a conexão ou a continência de causas. A competência absoluta pode ser reconhecida pelo juízo, de ofício, independentemente da argüição da parte, gerando, em sentido contrário, se violada, a nulidade do processo” .
A competência relativa “refere-se aos casos em que é possível a sua prorrogação ou derrogação por meio de cláusula contratual firmada pelas partes, de inércia da parte, no caso do réu que deixa de opor a exceção, chamada declinatória de foro, ou por fatos processuais como a conexão ou a continência” .
As competências material e funcional são de natureza absoluta, enquanto as competências territorial e pelo valor da causa são relativas, porque aquelas são ditadas pelo interesse público e, estas últimas, pelo interesse privado.

2. Foro competente para a propositura da ação civil pública e das ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor

2.1 - Competência objetiva em razão da matéria
Ressalvada a competência da Justiça Federal - aquela disciplinada na Constituição Federal, que prevalece sobre as regras do Código de Defesa do Consumidor, a competência objetiva em razão da matéria é atribuída à justiça local (Justiça comum dos Estados ou do Distrito Federal).
Essa competência é absoluta , significando que não poderá ser prorrogada ou modificada.
ADA PELLEGRINI GRINOVER ressalta que “a competência objetiva em razão da matéria, mesmo havendo interesse da União, é da Justiça Estadual, nas comarcas que não forem sede de vara do juízo federal, cabendo recurso para o TRF na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (§§ 3º e 4º do art. 109, CF)”.

2.2 - A determinação do foro competente: dano de âmbito local
A determinação do foro competente verifica-se em razão da extensão do dano. Quando o dano for de âmbito local, a competência é do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano , nos termos do inciso I do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor .
De outro lado, o artigo 2º da Lei nº 7.347/85 estabelece que “as ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano , cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa” .
Quando esses dois diplomas legais referem-se à competência determinada pelo lugar do dano ocorrido ou pelo local em que este possa vir a ocorrer, “isto quer dizer que a competência poderá vir a fixar-se em qualquer comarca de Estado federado respectivo, ou na do Distrito Federal, se o caso desta hipótese” .

2.3 - A determinação do foro competente: dano de âmbito regional ou nacional
O foro será o da capital do Estado ou do Distrito Federal, quando o dano for de âmbito regional ou nacional, consoante o inciso II do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor , o que significa, neste último caso, que o dano deve transcender à área estadual, ou seja, além dos limites de um Estado.
Se o dano transcender a uma determinada circunscrição judiciária, mas, dentro de um mesmo Estado federado ou no Distrito Federal tratar-se-á de dano regional. Quando o dano transcender a área territorial de um Estado federado ou do Distrito Federal tratar-se-á dano de âmbito nacional. Nas duas hipóteses, a competência para a causa é do foro da capital do Estado ou do Distrito Federal.
Interpretando, de forma lúcida e precisa, esse dispositivo legal, assim pontificou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:
“A análise perfunctória da redação do inciso II do prefalado art. 93 do CDC poderia levar o aplicador da lei a interpretá-la como se existentes duas situações distintas, ou seja, quando o dano for ‘regional’, o foro competente é o da capital do Estado; quando for ‘nacional’, é o do Distrito Federal. Mas a leitura mais atenta do dispositivo desautoriza tal exegese, como se verá adiante. Primeiramente, se quisesse realmente o legislador criar três critérios de fixação de competência, tê-los-ia inserido em incisos distintos. Ao revés, optou por dividir o art. 93 em apenas dois, ou seja, um (art. 93, I) para os danos de âmbito local (foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano) e outro (art. 93, II) para os danos de âmbito regional ou nacional (foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal). Isto significa que o inciso II, para duas situações distintas (danos regionais e danos nacionais), deu solução idêntica, qual seja, ‘foro da Capital do Estado’, tendo apenas se referido ao Distrito Federal em face de sua natureza sui generis de cidade-estado. Obviamente, em se tratando de dano nacional, todas as capitais do país, e o Distrito Federal, seriam em tese competentes para o aforamento da presente ação, sendo de se aplicar o critério da prevenção em caso de eventual conflito, ficando prevento aquele que primeiro despachar” .
A mesma Egrégia Câmara, ao tratar de matéria idêntica, assim decidiu:
“O mencionado inciso II do art. 93 refere-se, laconicamente, ao foro da capital do Estado ou do Distrito Federal, sem adiantar qualquer critério distintivo. Cabe, portanto, ao intérprete buscá-lo. A referência destacada a Distrito Federal no inciso II deveu-se a um rigor técnico do legislador. É que o Distrito Federal, elevado pela Carta de 1988 à condição de ente estadual autônomo, integrante da Federação (art. 18), aproxima-se mas não se equipara ao Estado-membro. Com efeito, embora nele existam os três Poderes - inclusive o Judiciário que falta aos Municípios - sua autonomia é mais restrita que a dos Estados, notadamente por sofrer a interferência da União em áreas diversas(...). Na feliz síntese de Hely Lopes Meirelles, o Distrito Federal é um Estado-membro anômalo”. Por esta razão, o legislador terá achado conveniente a menção expressa, e tecnicamente mais precisa, a Distrito Federal, a demonstrar que ele não se confunde com o Estado. Mas o Poder Judiciário do Distrito Federal, embora formalmente organizado e mantido pela União (art. 21, XIII), tem o mesmo status do Poder Judiciário Estadual, não integrando o sistema da Justiça Federal, quer comum, quer especializada. Alguém poderá cogitar que, em caso de interesse regional, a competência seria do foro da Capital do Estado e, em caso de interesse nacional, seria do foro do Distrito Federal. Mas também essa interpretação não se sustenta. É que o dispositivo menciona primeiro: Capital do Estado e âmbito nacional e depois Distrito Federal e âmbito regional. De modo que o critério da respectividade levaria à incongruência de que as ações de âmbito nacional devem ser propostas no foro da Capital do Estado e as de âmbito regional no foro do Distrito Federal. E isso não faria sentido” .

2.4 - Interesses difusos e coletivos propriamente ditos
Em se tratando de interesses difusos ou coletivos propriamente ditos, cujo dano é de âmbito local, qual o juízo competente para esta ação? A questão se resolve pelo lugar onde se verificou o dano. Assim, se o dano se verificou na cidade de Campinas, a ação deverá ser proposta no foro da Comarca de Campinas e a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes (art. 103 do Código de Defesa do Consumidor), valendo para todo o território nacional.
Em se tratando de interesses difusos ou coletivos propriamente ditos, cujo dano é de âmbito nacional, qual o juízo competente para esta ação? A questão se resolve pela prevenção . Assim, se a extensão do dano atingir todo o território nacional e a ação for proposta, em primeiro lugar, na capital do Estado do Ceará, este juízo torna-se prevento e a sentença fará coisa julgada erga omnes (art. 103 do Código de Defesa do Consumidor), valendo para todo o território nacional.

2.5 - Interesses individuais homogêneos
Em se tratando de interesses individuais homogêneos, cujo dano é de âmbito local, qual o foro competente para esta ação? Se o dano ocorreu na cidade de Campinas, a ação deverá ser proposta no foro da Comarca de Campinas e a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes somente para beneficiar aqueles titulares de interesses e direitos individuais homogêneos, ou seus sucessores (art. 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor), ou seja, essa decisão não surtirá efeitos em todo o país.
Em se tratando de interesses individuais homogêneos, cujo dano é de âmbito nacional, qual o juízo competente para esta ação? A questão também se resolve pela prevenção. Assim, se a extensão do dano atingir todo o território nacional e a ação for proposta, em primeiro lugar, na capital do Estado do Ceará, este juízo torna-se prevento e a sentença fará coisa julgada erga omnes (art. 103 do Código de Defesa do Consumidor), valendo para todo o território nacional.

3. Conclusões:
01. Ressalvada a competência da Justiça Federal, a competência objetiva em razão da matéria é atribuída à justiça local (Justiça dos Estados ou do Distrito Federal).
02. Quando o dano for de âmbito local, a competência é do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano.
03. Quando o dano for de âmbito regional ou nacional, o foro competente será o da capital do Estado ou do Distrito Federal.
04. Em se tratando de interesses difusos ou coletivos propriamente ditos, cujo dano é de âmbito local, a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes (art. 103, inciso I do Código de Defesa do Consumidor) em todo o território nacional.
. 05. Em se tratando de interesses individuais homogêneos, cujo dano é de âmbito local, a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes somente para beneficiar aqueles titulares de interesses e direitos individuais homogêneos, ou seus sucessores (art. 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor), não surtindo efeitos em todo o país.
06. Em se tratando de interesses difusos. coletivos propriamente ditos ou individuais homogêneos, cujo dano é de âmbito regional ou nacional e a ação foi proposta, em primeiro lugar, na capital do Estado do Ceará, este juízo torna-se prevento e a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes (art. 103, inciso I do Código de Defesa do Consumidor) em todo o território nacional.


B I B L I O G R A F I A

ARRUDA ALVIM, JOSÉ MANOEL DE - Código do Consumidor Comentado, 2ª edição revista e ampliada, 2ª tiragem, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995.
________________________ - Manual de Direito Processual Civil, volume 1, 5ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996.
CINTRA, ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO - Teoria Geral do Processo, 11ª edição revista e atualizada, São Paulo, Malheiros Editores, 1995.
GRECO FILHO, VICENTE - Direito Processual Civil Brasileiro, 1º volume, 10ª edição atualizada, São Paulo, Editora Saraiva, 1995.
GRINOVER, ADA PELLEGRINI - Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992.
MANCUSO, RODOLFO DE CAMARGO - Ação Civil Pública, 4ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996.
MAZZILLI, HUGO NIGRO - Funções institucionais do Ministério Público, São Paulo, APMP, 1991.
THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO - Curso de Direito Processual Civil, 18ª edição revista e atualizada, Rio de Janeiro, Forense, 1996.

Att.,
Lycurgo

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